As duas peças publicitárias chamam a atenção e batem no conceito de carro completo. Passam esse recado, mas apenas esse.
Mas será que isso é suficiente para a Chery? Acho que não, infelizmente.
Uma marca conceituada ou ao menos já plenamente estabelecida no mercado sempre conta com um recall conceitual onde seu trabalho de comunicação pode ser baseado. A VW, por exemplo, sempre será lembrada por robustez, economia de manutenção e segurança de negócio (entre outros atributos). É carro, mesmo, como diz em seu conceito (Das Auto). Se a VW estivesse dizendo que seus carros são "completamente completos", ficaria claro que além da segurança de investimento, robustez e economia de manutenção, também estaria entregando mais benefícios ao comprador. O ABS, o ar, a direção e todos os demais equipamentos seriam o plus em um pacote já interessante. O conceito original é tão forte que a VW, hoje, nem precisa desse plus (equipamentos) para ter em seu mix o carro mais vendido do mercado.
A Fiat trabalha em cima de modernidade, praticidade e economia (além de contar com preço baixo). Quem compra um Fiat sabe que contará com um carro confiável (ao menos dentro da média) e estará exibindo linhas modernas (exceto o Mille...) adquiridas sempre com uma excelente relação custo-benefício. Se fosse a Fiat a utilizadora do "completamente completo", seu pacote seria imbatível. Mas aqui, novamente, o conceito original é tão forte que a Fiat nem precisa desse plus (carros completos) para ser a marca mais vendida do mercado.
Não vou me alongar analisando o conceito da GM (em fase de positiva renovação assim como toda sua linha de produtos), Ford (parada no tempo), Renault (consolidada, finalmente, mas ainda longe de ameaçar seus pares), além do fenômeno Hyundai, que conseguiu apropriar-se (apenas aqui no Brasil) de uma imagem de sofisticação, modernidade e tecnologia através de um excelente trabalho de comunicação (claro que o produto também é excelente).
Mas voltando a Chery, me parece que ela simplesmente ignora todos os problemas de imagem que enfrenta (pós-venda, recalls, CSS que fecham, volume pequeno de vendas, etc...) e acha que possui uma boa imagem de marca. A partir desta "constatação", quer transmitir a idéia de que "tudo isso" (seja lá o que a marca ache que é bom...) é ainda melhor na medida em que a relação custo-benefício é imbatível (mais equipamentos pelo menor preço). Age como se todo o mercado conhecesse e identificasse a Chery como marca de ponta, apenas colocando um imbatível benefício adicional ("completo") em seu conceito.
Existem, nesse raciocínio da Chery, dois problemas fundamentais:
1º)A maior parte do mercado consumidor simplesmente não deve conhecer a Chery, no máximo identificando-a como uma marca chinesa (o que, por si só, já traz a reboque a imagem de baixa qualidade). Neste caso, o conceito de "completamente completo" acaba trazendo uma idéia de simples compensação. O consumidor, desconhecedor dos atributos da marca (sim, eles existem! Descreverei mais abaixo) simplesmente vai raciocinar que poderá comprar um carro mais equipado pelo preço de um "pelado" simplesmente por que sua qualidade é baixa, "como tudo que vem da China". Este é o raciocínio óbvio;
2º)Uma parte bem menor do mercado já identifica a Chery através de seus pontos negativos (pós-venda, inadequação dos produtos ao Brasil, etc...). Quem for pesquisar sobre a satisfação dos proprietários com a marca não ficará com uma boa impressão aqui no Brasil, sejamos francos. Para este consumidor mais informado (e hoje qualquer pessoa tem muita facilidade para se informar antes de comprar um carro) o conceito de "completamente completo" reforçará ainda mais a percepção de baixa qualidade associada a marca Chery. Afinal, "se precisam rechear o carro de equipamentos para vendê-lo, isso só reforça a idéia de que não é bom". Este raciocínio também é óbvio.
Por essas razões que procurei expor, acredito que o trabalho de marketing da Chery é muito fraco, ingênuo até. Essas novas peças de comunicação (vídeos) apenas demonstram a total incapacidade da marca em compreender e relacionar-se com o consumidor de um dos mais maduros mercados automobilísticos do mundo.
Exatamente ao contrário do trabalho da Chery, tomemos o exemplo da Hyunday. Há no mínimo três anos antes do lançamento do HB-20, a marca realizou um amplo trabalho de projeção da marca e seus conceitos. Os comerciais até pareciam piegas, exagerados ("o maior", "o melhor", "o mais premiado", "o carro de x milhões de dólares"...), mas bateram muito na tecla da qualidade, do design e da modernidade. Chegaram até a comparar o i30 com a BMW (e funcionou...). O resultado é que toda a fatia de baixo do mercado (compradores de carros populares) ficou com vontade de ter um Hyundai. "Sabiam" que os carros eram excelentes e a marca confiável (foram convencidos disso pela comunicação, pois a experiência com a marca não existia). É claro que não poderiam comprar um Vera Cruz, um Veloster ou mesmo um i30, mas o desejo passou a existir. Quando o HB20 foi lançado já havia demanda reprimida para ele (aliás, as filas demonstram que ainda há) e o resto basta conferir no índice de vendas (4º ou 5º modelo mais vendido!).
É claro que a Chery não é uma Hyundai, mas precisaria desenvolver um trabalho de marketing mais sério e prevendo ações de médio e longo prazo, não apenas comerciais "engraçadinhos" que geram buzz na internet.
A Chery precisa, além de resolver de vez seus problemas de pós-venda, posicionar-se como Marca no Brasil. Apesar de tudo, atributos não lhe faltariam (desde que bem trabalhados), como ser a maior marca independente no maior mercado do planeta, mesmo com apenas 16 anos de mercado, presente em todos os continentes, realizar grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia própria (a estrutura para isso na China é impressionante, apagando qualquer idéia de "fundo de quintal"), operar com os mais renomados fornecedores, sua planta de motores ser capaz de produzir 1 milhão de inidades/ano, seu design ser italiano, sua grande variedade de modelos, seus modernos métodos de produção, etc... O Celer precisaria ser apresentado como o resultado disso tudo.
Enfim, existe o que ser trabalhado. Existem fatores que podem explicar por que a Chery consegue entregar um carro mais equipado que seus concorrentes pelo mesmo preço, não uma menor qualidade. É barato, é completo, legal! Mas tem que explicar o porquê disso! Uma VW, uma Fiat, uma GM, uma Hyundai e até uma Ford não precisariam dar explicações quanto a um eventual menor preço. A Chery ainda precisa.
Trabalhar a marca com seriedade, este é o caminho.